Ensina-me a Amar

Ensina-me a amar!...

Ensina-me os afectos,
que eu esqueci-os quase todos
durante a minha solidão.

Tornei-me
seco que nem deserto,
duro como pedra,
abrasivo qual lixa!

Impróprio ao toque.

Beijos são agora toques indecentes
e mentirosos,
Que quase me prometem a indecência
mas sempre se recusam à última.

Abraços não são mais que estrangulamentos
ao meu comodismo,
Apertos íntimos que me esmagam
a postura.


Ensina-me a amar,
que ainda é
tempo.

Ódios Em Mim

Dorme.
Dorme para não pensar.


Descobri
que as emoções
têm prazo de validade
e que deixei expirar em mim
quase todas
antes do tempo,
antes que as pudesse
saborear.

Restou o bolor
azedo
da raiva odiosa
a quase tudo,

O ranço nascido dos contentamentos
por aproveitar
que assim se foram
decompondo,

fermentando cegamente
ódios em mim.

Ecdise

Não sei se gosto do que escrevo,
Não sei se escrevo ao meu gosto,
Nem percebo bem se m'atrevo
A desafiar o imposto.

Enjoo de mim próprio por
Comigo estar demasiado.
Devia dar-me folga-mor,
Viver de mim próprio exilado.

Mas não consigo! Não me dá
P'ra me esguichar pelo ouvido,
Ou p'los demais buracos que há
No corpo que trago vestido.

Experimentei provocar o vómito,
Cuspir-me de dentro de mim...
Não me percebo, sou incógnito
Para a minh'alma em frenesim!

Só a Morte, quiçá, liberta
Do peso que temos de nós!
Mas não deixa uma porta aberta
P'ra voltar, se ficarmos sós.

Aurora

Cidade! que cintilas no negro
do dia apagado,
E despedes, com a calma imensa,
mais um ciclo passado:

Que foi de nós, que aqui ficámos?
...A ver cair a luz transformada em noite;
...A ver sorrir a lua agitando os mares.

Que insónia é esta, que nos traz acordados?
...Quando tudo dorme e nada se agita;
...Quando tudo se esquece e ninguém grita.

Sussurramos à brisa os nossos pecados.

Que foi de nós?
Madrugámos.

Braços Abertos, De Encontro Ao Mundo

Por vezes vem-me a ânsia
de correr de braços abertos
de encontro ao mundo...

Deixar o sol a dourar e a durar
na crista das ondas
que vagam nas cearas de oiro
impelidas pelo vento ameno
e calmo da estação estival
que nos aquece a alma.

Águas fluviais serpenteiam
e insinuam-se por entre montes
de viçosa verdura ribeirinha
que delineia os contornos
de um rio que parece mais cristalino
que a própria sede.

E neste quadro harmonioso
há cegonhas a planar um doce sossego
nos ares celestes que o sol queima.


Porque é que ao fim da tarde
tudo parece mais real,
ao mesmo tempo mais mágico?
Porque é que com o cair do sol
emerge a beleza neutra que há nas coisas
e o coração se nos embebe da nostalgia?
Ah, como eu gosto do raiar rubro
do pôr do sol, a inflamar os céus
e o nosso ser!
E são nestes instantes pueris,
breves momentos de tréguas
que a vida nos concede,
que eu compreendo o sentido
de estar vivo e de não pensar.

...Estar tudo isto nos olhos de quem o vê
e no espírito de quem o sente!
Não ser preciso impregnar-me da razão
para a compreensão desta verdade!
Pois não pode alma outra
senão aquela em paz,
comungar de tal modo a beleza
daquilo que a rodeia;
Pois que a beleza do mundo
está nos olhos de quem o olha
com a tranquilidade necessária
aquando dos esporádicos acasos
em que temos a deleitosa coragem
de nos despojarmos de nós.

Mas são ténues estes momentos
e não justificam tudo.

Náusea

Já houve alturas
em que quis
morrer.

Muitas.

Noutras tantas
(Quase sempre na
ressaca desse
infame desejo)

A ideia da
morte minha
enjoou-me
tanto

Causou-me
tal náusea

Que cheguei
a estranhar a própria
vida.


Ainda estranho.