«É nobre ser tímido, ilustre não saber agir, grande não ter jeito para viver.
Só o Tédio, que é um afastamento, e a Arte, que é um desdém, douram de uma semelhança de contentamento a nossa vida.
Fogos fátuos que a nossa podridão gera são ao menos luz nas nossas trevas.
Só a infelicidade elementar e o tédio puro das infelicidades
contínuas, é heráldico como o são descendentes de heróis longínquos.
Sou um poço de gestos que nem em mim se esboçaram todos, de
palavras que nem pensei pondo curvas nos meus lábios, de sonhos que me
esqueci de sonhar até ao fim.
Sou ruínas de edifícios que nunca foram mais do que essas ruínas, que
alguém se fartou, em meio de construí-las, de pensar em quem construiu.
Não nos esqueçamos de odiar os que gozam porque gozam, de desprezar
os que são alegres, porque não soubemos ser, nós, alegres como eles...
Esse sonho falso, esse ódio fraco não é senão o pedestal tosco e sujo da
terra em que se finca e sobre o qual, altiva e única, a estátua do
nosso Tédio se ergue, escuro vulto cuja face um sorriso impenetrável,
nimba vagamente de segredo.
Benditos os que não confiam a vida a ninguém.»
Bernardo Soares (Fernando Pessoa) in Livro do Desassossego
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