Genuinidade Fingida

A sensibilidade da vida tenho-a no coração,
Não a tenho na língua, não a tenho na mão.
Tenho-a no lugar onde minhas emoções estão.
Estão no meu coração, que é como quem diz!
São intelecto, do qual sou ainda aprendiz...
Ainda me permito demasiado à censura do giz.
Seus traços brancos me tornam fingida a essência
Duma artificial poesia que sempre raza a vivência
Sem penetrar nunca o âmago da genuína dolência,
Dessa dor que me consome viva a alma atormentada
Que não consigo expressar com a franqueza desejada
E com a naturalidade da vera emoção não pensada.
O mais inato sentir não consegue nunca ser comunicado
Com palavras, artifícios mentirosos do meu eu danado.
É que o materializar dos sentimentos é sempre pecado,
É anular o arrepio original que a sensação prima provoca,
Desmentir o inconsciente com que essa verdade nos toca,
Fazer sentir o desprazer de fingir uma emoção oca,
Mera estética lírica que se encontra vazia no interior
E nunca consegue genuinamente mostrar ao outro a real dor,
Que é a por mim sentida, por mim vivida com franco ardor!
Mas é o que se tem, aquilo que me é humanamente possível,
Descrever a emoção com a beleza e detalhe de maior nível
E esperar que quem lê a imagine a uma precisão incrível
Capaz de a fazer ter um vislumbre do que o meu eu sente,
Proporcionando aos outros a sensibilidade mais rente,
Mais próxima da sensação tida pelo meu ser doente.

Fogo Fátuo

Le Feu Follet (1963), Louis Malle
Filme genial, o melhor retrato que já vi do desespero existencial e da depressão...


"Mato-me porque não me amaste, porque eu não te amei. Porque nossos laços se soltaram, mato-me para os apertar. Deixarei sobre ti uma marca indelével."

Explanações Alheias #2

"It’s quite obvious that I am worthless. I’ve made enough fun of myself with the words “heart” and “soul” to discover to my horror, one fine morning, that self-deprecation would spare me no more! I can’t imagine anything as barren as myself. I possess neither anyone nor anything. I expect nothing.

I remember having burst out laughing. I remember having had my backbone frozen to the idea of glory. I remember having been eager for love. There is no longer any life in me. I never find myself apart from boredom, I have no place.
Everything has been overrated! The war overrated! The “artificial paradise” overrated! And love, too!…

What a kick in the ass! But you go on. There is only one single thing in the world that is intolerable: the consciousness of its mediocrity.”

Jacques Rigaut

Explanações Alheias #1

«There’s no reason to live, but there’s no reason to die, either.
The only way we can still show our contempt for life is to accept it.
Life is not worth the bother of leaving it.

Out of charity, one might spare a few individuals the trouble of living, but what about oneself? Despair, indifference, betrayal, fidelity, solitude, the family, freedom, weight, money, poverty, love, absence of love, syphilis, health, sleep, insomnia, desire, impotence, platitudes, art, honesty, dishonor, mediocrity, intelligence – nothing there to make a fuss about.

We know only too well what those things are made of, no point in watching for them.»

Jacques Rigaut 

Átropos, Minha Belladonna

I

Belladonna, minha dona bela!
Que em ti trazes o doce veneno
De uma trágica morte amarela.
(Salvação do meu viver pequeno...)

Tu, tão bela!, que nas sombras moras
E que quase sempre o sol evitas,
Deixa-me comer tuas amoras
Embriagar-me com as pepitas!

Anda ter comigo, Belladonna,
O destino uniu-nos sem igual!
Não t'armes comigo em primadonna,
Quero a libertação deste mal!

Dilata-me as  minhas pupilas,
Que quero-te eu olhar melhor!
Amansa-me estes cruéis espasmos,
Deste meu persistir com dor...

Como te queriam os assírios,
Desejo-te ávido agora eu!
Afasta-me os pensamentos tristes,
Leva p'ra longe de mim o breu...


II

Ai Átropos, minha bela moura
Vem, funesta, meu fio vital ceifar
Traz contigo essa fatal tesoura
Vem, sinistra, meu óbito firmar!

Pois o fio de todo o amanhã,
Que tua irmã Cloto me cardou,
Era só de cânhamo e de lã:
Tornou-me o desgraçado que sou.

Já Laquesis tão antes o previra
Aquando o medir desta minha tira:
Desaparecerei ao som da lira
Na brevidade com que um sopro expira.

Vós, todas três fatais irmãs moiras,
Do destino donas e senhoras,
Porque não me destes fitas louras?
Porquê tão curtas as minhas horas?

Ambiguidades

Vivo a minha parca vida
Em sobressaltos e solavancos,
Tenho os sentimentos mancos
E a consciência entorpecida...

Pois aquando me alegro
Não tarda o desengano!
Sinto o cerrar do pano
Da minha felicidade.

Mas porquê? Se ainda
Nem sinto o peso da idade...
Haverá uma razão
Para tal ambiguidade?

Soneto Esquizóide

Desperta a primaveril nostalgia,
Após longos e chorosos dias
De densa, tão cinzenta invernia
De fazer finar em noites frias.

Brilha-me o sol nos olhos, agora.
Momentaneamente esqueço as vis horas
Em que o meu ser sempre se demora
E tarda a sair, sem vislumbrar melhoras.

Oh bipolaridade nefasta que me corrompes!
Que a mim me trancas em negros pensamentos
E só por vezes levas à rua beber das fontes!

Deixa-me gozar o fulgor deste sol brilhante!
Livra-me, por favor, de todos os tormentos...
Só quero lapidar minha vida como diamante!

Ébrios

O Mundo gira e gira, e volta a girar
Dá mais uma volta, não pode parar
Nós, os ébrios, aqui nos quedamos
Por sermos tão loucos, às vezes erramos

Se o que nos move, ao chão nos agarra
Prefiro o imóvel àquilo que amarra
Prefiro a desgraça ao som da toada
Ao menos sou livre e não tenho nada

Fixos aqui, o mundo observamos
Entorpecidos no acumular dos anos.
Inertes, apáticos, algures perdidos
Não nos mexemos... Contemplamos!

Esta passividade com que a terra se mexe
A vagarosidade com que o verde cresce
com que Lua sobe, enquanto o Sol desce
E uma parte de nós, sempre desvanece.

Serenos somos e sempre seremos
Não queremos agitação em mundos terrenos
Pois o dia virá em que sucumbiremos
E assim se findará o que vivemos.

Alors, On Y Va?

Excusez-moi, Mademoiselle, mas...
Dê-me a sua mão, venha pular mundos comigo.
Não se inquiete com o que pensam os outros,
Deixe essa monotonia enfadonha para trás,
Seja a cobra que muda de pele pela nova estação.
Venha comigo desenterrar tesouros ao fundo do arco-íris.
Quer dizer, afinal de contas o mundo não é assim tão cinzento,
Também nos será permitido gozar-lhe as cores de quando em vez.
"Tem dias... Isto já não sai é da cepa torta", dirá você
A fazer lembrar um velho do Restelo com o qual nos cruzaremos
Num banco qualquer, ao dobrar da esquina das nossas vidas cruzadas.
"E vamo-nos assim, do pé para a mão?" Assim mesmo, sem mais nem quê.
Levamos a roupa do corpo e meia dúzia de tostões para a merenda. Amor e uma cabana.
Depois logo se vê. Prometo matar-lhe a fome se você me matar a minha...
Vá por mim, e tire essa cara de espanto espantado: Tristezas não pagam dívidas.
(Você sorri)
Precioso esse sorriso que floresceu em sua cara, assim gosto mais!
Guarde-o com a sua vida, que eu vou guardar a sua com a minha.
Proteja-o bem, que o mundo fica tão mais lindo assim,
Quando mostra as teclas brancas de piano que lhe adornam a boca
Por entre esses cortinados vermelhos que são seus lábios encarniçados.
Fique sempre alerta! Isto hoje em dia ninguém está livre da gatunagem!
Se a senhora não se cuida, roubam-lhe o brilho dos dentes e as pérolas dos olhos.
Mas como dizia, dê-me a sua mão e acompanhe-me nesta viagem ao centro de nosso amor.
Se lhe vier a custar andar, salte para as minhas cavalitas, e vamos a trote de paixão.
Vai ver que lhe vai parecer o jogo da macaca, vamos num pé e vimos no outro.
Prometo que irá ser por toda a eternidade, mas verá que nem vai dar pelo tempo...
Quando abrir os olhos pela manhã apenas recordará réstias deste sonho bom,
Mas ainda assim saber-lhe-á pela vida, nunca mais se olhará ao espelho do mesmo modo.
O seu dia-a-dia ganhará outro brio. Sabe, estas revelações acontecem uma vez na vida.
É deixá-las mudar-nos selvaticamente por dentro, ao jeito que lhes dá na gana.
Ainda não está convencida? Ande lá, vai ver que não se vai arrepender!
Pelo menos na terra dos sonhos não há prisões, nada é estanque, tudo pode acontecer.

Alors, on y va?

Aqui Jaz Uma Vida

E quando aqueles dias há
em que nos encontramos perdidos,
sem nada que nos entretenha
ou nos ocupe o pensamento?
Nessas alturas apraz-me fumar
orgulhosamente um ocioso cigarro,
com a desculpa ilusória de que mata
a pasmaceira em que ando submergido.
Saco, delicadamente, o palito nicotínico
enquanto exclamo aos meus botões:
"Mais um prego para o caixão!"
Com a outra mão estalo a tampa do zippo,
Mola aguda que, simultaneamente, me estala o pensar
com a consciência da finitude irrevogável.
Acendo penosamente o cigarro.
Aos poucos, o charuto vai-se consumindo
ao ritmo das minha baforadas,
como que a imitar o esvair dos meus dias,
ciclicamente marcados pelo toque de despertador.
Apercebo-me mais uma vez da minha finitude,
"É assim a vida!" (Ou será antes a morte?)

Entretanto, o fumo do tabaco
vai-me tornando amarela a existência.
A fumaça desce-me pela garganta
tal e qual insuflasse minha própria alma.
Do mesmo modo, vagaroso, a exalo
ao jeito do meu espírito a abandonar-me,
expiando assim todos os meus pecados.
Sai de mim o vapor escuro, deixando apenas
no meu cadáver o negro do alcatrão,
fuligem essa que já nem se distingue
da negrura do meu próprio ser.
Morre-se-me o cigarro na ponta dos dedos.
Com desprezo, lanço o míssil da beata ao chão,
desprezo manifesto do meu próprio existir.
A ponta da minha bota ao encontro vai
da ponta incandescente da pirisca finda
(Toque de dedos de uma Criação de Adão tabágica).
Esmago o que resta da cabeça do cigarro
que encorpora o que resta do meu orgulho ferido.
Acaba-se mais uma pausa mortificadora,
reacende a pausa maior do marasmo.

Aqui jaz um filtro, aqui jaz uma vida.


Minudências

Estendo-me ao comprido na cama.
Tenho a alma caquéctica e
Há um pesar demasiadamente familiar
Que se me vai acometendo.
Sinto o peito a colapsar
Nesta manhã de melancolia invernal
Como de outra não há memória.

Ponho a música a tocar.
Nascem etéreas melodias depressivas
Suspensas no ar rarefeito
Cada vez mais insuportável de respirar.
Penetram-me as notas dessas harmonias,
Pesadas e graves, nos ouvidos dolorosos,
Comprimindo o meu íntimo a uma lágrima.

Ergo-me da cama, penosamente.
Há uma cadeira que fita o horizonte
Através de uma janela de metro e meio por dois
(Tão maior que a minha alma).
Sento-me nela, com um vagar de deuses,
Contemplo o fundir do verde vegetal ao negro citadino.
Apercebo-me do ridículo que sou...

Tudo parece continuar no seu ritmo
Alegre e alheio, omnipotente de tudo.
Só em mim esta apatia nunca muda,
Antes pelo contrário, se adensa,
Se condensa em lancinantes pontadas no peito.
O sol, misericordioso, brilha ao largo,
Mas sem nunca me conseguir atingir.

Sou um turbilhão, buraco negro
Sedento de toda a luz e matéria
A qual absorvo impiedosamente
Sem não me conseguir transformar.
Transformo-as eu, essa luminosidades,
Essas matérias físico-químicas,
Em nadas imperceptíveis. Impreenchível.

Sorvo o veneno que me saliva na boca.
Tento conformar-me ao meu ridículo.
A esperança de que melhores dias virão
Põe-me o espírito ansioso em reboliço.
Continuo, impávido, a mirar pela janela
(Espelho mentiroso de minha alma).
Deixem-me estar! Deixem-me ser, foda-se!

Fado.Fardo.Foda-se

Calminha, coração...
Vai com calma,
não te exaltes!
Que se passa?
Pensas que é por ti
que o mundo vai parar?

O mundo nunca pára,
seja por quem for,
muito menos por ti,
um ignóbil rastejante
que reptila as suas mágoas
à espera da pena alheia...

És um triste!
Faz-te um homem,
ainda vais a tempo.
Achas mesmo
que há alguém que se vai
dignar a esperar por ti?

O mundo nunca espera,
continua sempre a girar,
alheio a tudo e todos...
Estejas cá ou não estejas.
Para os outros?
Tanto se lhes faz!

És só mais um,
mais um empecilho,
mais um fardo pesado.
Não tens o direito
de chatear ninguém.
Então porquê chateares-te?

Ah pá, cresce e aparece!
Deixa-te dessas lamúrias!
Bebe mais uma, que isso passa...
Assim como tu passarás,
e não vai ser preciso muito tempo
para que mais ninguém te lembre.

És efémero como tudo na vida.
Um dia há em que desapareces
e, tirando tua família e os teus,
nem vai haver ninguém a dar por isso.
E mesmo os teus hão-de se habituar
e, eventualmente, deixar de se importar.

Tudo prosseguirá no ritmo usual,
sem grandes inquietações,
naquela indiferença morna e acutilante
de uma vaca melancólica que pasta.
Já dizia o outro: Tu és pó,
de lá vieste, para lá voltarás.

E sabes que mais?
Se te custa assim tanto
arrastares-te por este mundo
mais um bom par de anos,
Fica a saber que o fim é sempre
sete palmos abaixo de terra!

Portanto, não te exasperes.
Se assim te apraz,
sê esperto e toma já avanço,
toma o teu lugar moroso
na fila burocrática do limbo.
Ora faça-se o obséquio!

Olha lá ao fundo...
Já vejo o nó da corda,
prontinho a enrolar-se-te
no teu pescoço atónito!
Até já estou a imaginar...
O sufoco, lento, agonizante.

Mas não te apoquentes!
Vai ser assim para toda a gente.
Ou pensavas que podias sair
desta história vivo?
Ah, desengana-te, não saías,
assim até levas um avanço.

Das coisas mais bonitas que tive o prazer de ouvir nos últimos tempos...


Sinto a minha vida como um peso!

Sinto a minha vida como um peso!
Sinto um esmagador cansaço
De tudo o que me rodeia.
O lufa-lufa do quotidiano
Vai-me roendo por dentro
Sem que me possa dar conta,
Até que dentro de mim
Fica a restar apenas e só
Um soberbo, gigantesco,
Infindável vazio.

E não querem depois
Que as pessoas se matem?
Pois como há-de tal
Não acontecer?
Não há nada a que agarrar,
Nada que nos possa salvar,
Nenhuma boia salva-vidas
Que prontamente nos resgate
Deste marasmo sem fim,
Deste tédio que nos consome.

Não há vedante que consiga
Preencher este excessivo buraco
Que no peito se me vai abrindo
E pelo qual, lentamente,
Se vai, dorido, esvaindo
Em lamentos meu coração,
A minha força de viver,
Meu ânimo, o prazer,
Tudo, tudo, tudo e tudo
O que permite sobreviver.

Oh, desditosa vida maldita...
Que no cismar é que está o mal.
Pensasse menos, vivesse mais
Desfrutasse assim os prazeres banais
De mais um dia-a-dia tão normal
Que se me oferece de jeito natural.
Mas era preciso desprender-me dos "ais"
Afastar os meus pensamentos imorais
Para assim poder, finalmente,
Passar a viver completo e contente.