Os mares, minha bela, não se movem

«Os mares, minha bela, não se movem;
O brando norte assopra, nem diviso
Uma nuvem sequer na esfera toda;
O destro nauta aqui não é preciso;
Eu só conduzo a nau, eu só modero
     Do seu governo a roda.

Mas ah! que o sul carrega, o mar se empola,
Rasga-se a vela, o mastaréu se parte!
Qualquer varão prudente aqui já teme;
Não tenho a necessária força e arte.
Corra o sábio piloto, corra e venha
     Reger o duro leme.

Como sucede à nau no mar, sucede
Aos homens na ventura e na desgraça;
Basta ao feliz não ter total demência;
Mas quem de venturoso a triste passa,
Deve entregar o leme do discurso
     Nas mãos da sã prudência.

Todo o céu se cobriu, os raios chovem;
E esta alma, em tanta pena consternada,
Nem sabe aonde possa achar conforto.
Ah! não, não tardes, vem, Marília amada,
Toma o leme da nau, mareia o pano,
     Vai-a salvar no porto!

Mas ouço já de Amor as sábias vozes:
Ele me diz que sofra, se não, morro;
E perco então, se morro, uns doces laços.
Não quero já, Marília, mais socorro;
Oh! ditoso sofrer, que lucrar pode
     A glória dos teus braços!»

Tomáz António Gonzaga, in Marília de Dirceu (1792)

Sem comentários:

Enviar um comentário